Estrada de Ferro Madeira Mamoré a mais trágica obra de Engenharia no Brasil.
A Estrada de Ferro Madeira Mamoré foi
concluída em 1912 às vésperas da Primeira Guerra Mundial e no início da
crise brutal que se abateu sobre a borracha brasileira a partir da
entrada em produção em larga escala dos seringais plantados na Malásia.
Estes fatores e seus desdobramentos tiveram forte impacto na economia e
na geografia mundial e tiraram toda e qualquer possibilidade de
viabilização do empreendimento após sua conclusão. Com milhões de libras
gastas e milhares de trabalhadores mortos, a ferrovia operou por pouco
tempo e sempre deficitária até o sucateamento final em 1971.

Concebida
em meados do século XIX como um projeto boliviano de acesso ao exterior
através dos rios navegáveis da Bacia Amazônica, pretendia escoar a
produção mineral e natural de toda a região central da América Latina.
Este projeto encontrava dois grandes obstáculos: a transposição dos
saltos e cachoeiras do rio Madeira até atingir a rede navegável da bacia
amazônica e a selva amazônica. A Bolívia, ao conquistar a sua
independência, separando-se do Território do Alto Peru ficou sem saída
para o mar e suas opções eram somente através dos Andes utilizando
precários caminhos e portos de outros países, Peru e Chile, alcançando o
Oceano Pacífico, o implicava em longas distancias e alto custo de
transporte para o seu comércio exterior.

No
Brasil também a Província de Mato Grosso se beneficiaria com uma saída
direta e independente, uma vez que o rio Madeira corre inteiramente em
território brasileiro. Uma opção para a rota pelo Rio Paraguai, sempre
problemática pois envolvia os demais países da América do Sul. Este
interesse brasileiro foi bastante reforçado com a Guerra do Paraguai.
Com estes fundamentos, Brasil e Bolívia resolveram em 1867 buscar uma
solução para esta saída por meio de uma ferrovia ou outro meio que
evitasse as cachoeiras,

O
rio Madeira é formado no coração da América do Sul pela junção do rio
Beni com o rio Mamoré que correm em território boliviano e que vem das
encostas dos Andes. O Mamoré encontra-se com o rio Guaporé que nasce no
Planalto Central Brasileiro, formando o rio Madeira, o qual percorrendo
cerca de 400 km desce até a cota dos rios amazônicos. Nesta descida
encontram-se grandes os obstáculos, saltos, corredeiras e cachoeiras,
que impedem a navegação fluvial.

Ao
atingir Porto Velho, o rio torna-se novamente navegável, alcançando-se
as cidades de Manaus e Belém, e mais adiante, o Oceano Atlântico. Na
ocasião em que foi cogitada e estrada, a extração de látex dos seringais
nativos estava no auge e a Região Amazônica vivia o enorme surto de
riqueza propiciado pela borracha. A ferrovia projetada visava então
fazer o transporte desta produção até onde pudesse ser embarcada. Os
volumes então produzidos justificavam o empreendimento. A região era
altamente insalubre, os regimes de chuvas torrenciais típicos e as
inúmeras tribos de índios nem sempre amistosos aliavam se para fazer da
obra uma verdadeira epopéia.

Com
o Tratado de 1867 entre o Brasil e a Bolívia, iniciam se os
levantamentos. Várias foram as soluções técnicas propostas, havendo
inclusive sugestão para implantação de planos inclinados nos quais as
embarcações venceriam os desníveis sendo transportadas pelas margens em
vagões correndo sobre trilhos. A partir do Tratado, a iniciativa ficou
com a Bolívia que buscou um empreendedor americano, o Coronel George
Church, o que fundou para a obra, a National Bolivian Navigation
Company.

Com
a garantia do governo Boliviano, foram captados os empréstimos iniciais
e como a ferrovia seria inteiramente realizada em território
brasileiro, esta companhia conseguiu do governo brasileiro em 1870 a
concessão de 50 anos para a sua construção e operação exclusiva, agora
com o nome de Madeira and Mamoré Railway. Este ato também concedia à
empresa extensas áreas de terras ao longo da ferrovia para sua
exploração, principalmente extração do látex. Por interferência dos
banqueiros britânicos, foi então contratada para a obra a empresa
inglesa Public Works e os trabalhos iniciaram-se em 1872.

Na foto acima a missa celebrada em 1950 nas comemorações da EFMM
A distancia de qualquer centro
civilizado, a insalubridade da região, a falta de trabalhadores
capacitados, as enormes dificuldades geológicas e topográficas do local e
a inexequibilidade do projeto contratado levaram a Public Works a logo
rescindir o contrato e iniciar um processo judicial para ressarcimento
de imensos prejuízos. Esta rescisão causou pânico na Bolsa de Londres,
com os títulos da Madeira Mamoré caindo drasticamente e que afetou a
Bolívia, garantidora dos financiamentos.

Outras empresas foram contratadas e
também não conseguiram realizar a obra, resultando em mais atrasos,
prejuízos e novas demandas judiciais. Em 1874, o Governo Brasileiro
assume o empreendimento e entra na obra, aportando recursos e garantindo
mais empréstimos. Nestas alturas, em função da complexidade do projeto,
do “imbróglio” judicial e internacional envolvendo a Bolívia, os
banqueiros e os empreiteiros ingleses se retiram do empreendimento. A
Madeira and Mamoré Railway passa a buscar capitais e empreiteiros nos
Estados Unidos e contrata a P.& T. Collins. Com esta empresa,
repete-se o problema.
Na foto de Latuff o estado da atual da estação de Porto Velho
As doenças tropicais não poupam nenhum
trabalhador. Estes se revoltam e desertam. O dinheiro não chega e a
empresa não recebe os pagamentos devidos. Os processos judiciais
complicam-se na Inglaterra. A empresa construtora P. & T Collins
quebra, e com ela o empreendedor Coronel Church. A Bolívia entra em
guerra com o Chile, e como resultado se vê privada de qualquer saída
para o mar, agravando-se as tensões regionais.

Na foto acima a locomotiva 18 proxima a estação de Porto Velho
O Brasil, em sua ação diplomática busca
atrair o interesse a Bolívia para a saída atlântica via Madeira Mamoré, e
em 1882 ambos os países assinam novo Tratado de Comércio e Navegação
pelo Amazonas.
Na foto acima pelas de borracha aguardando embarque no trem da EFMM.
O reinício das obras causa desencontros e
discussões técnicas que ficaram famosas. São os choques entre a
Comissão Morsing e a Comissão Pinkas que divergiam asperamente quanto ao
traçado e custos, e que acabaram envolvendo o próprio Imperador D.
Pedro II e o Clube de Engenharia do Rio de Janeiro. Foram discussões
públicas e apaixonadas e que ficaram famosas, prolongando-se por vários
anos.
Nas fotos acima Patio da Madeira Mamoré ano 1968
Neste ínterim a concessão vigente
caducou e o Império caiu, surgindo no Brasil o regime republicano. Na
passagem do século XX aconteceram os incidentes entre Brasil e Bolívia
em torno do Acre e que viriam a ser resolvidos de forma diplomática pelo
Tratado de Petrópolis, no qual o Brasil se obrigava a construir como
compensação uma ferrovia que transpusesse os saltos e cachoeiras do rio
Madeira e criasse para a Bolívia a tão desejada saída para o mar.
Especificava para a ferrovia o ponto de partida na cidade de Guajará
Mirim às margens do rio Mamoré até o porto de Santo Antonio no rio
Madeira. O percurso teria cerca de 380 km.
A construção da Estrada de Ferro é o simbolo maior
Foi então realizada concorrência pública
para o empreendimento, que acabou sendo entregue à Brazil Railways e
Port of Pará, através da subsidiaria Madeira Mamoré Railway Company.
Estas empresas eram de propriedade de Percival Farquar, extraordinário
empreendedor e do qual há pouco registro na história recente do Brasil.
Ponte Madeira Mamoré.
Nesta ocasião já controlava entre outros
negócios o Porto do Pará, a Estrada de Ferro Sorocabana, a ligação
ferroviária São Paulo - Rio Grande do Sul o Porto do Rio de Janeiro, o
Porto do Rio Grande, a Light Rio, o sistema de bondes do Rio de Janeiro e
de São Paulo e imensos interesses em criação de gado e frigoríficos,
exploração e exportação de madeira.
Na foto acima funcionários da EFMM juntos com os indios Karipunas.
O porte de seus empreendimentos e sua
capacidade de levantar recursos junto aos bancos europeus permitira a
ele aceitar o desafio de construir a ferrovia e pretender com ela
controlar a exploração e transporte da borracha da região. Com os
recursos mobilizados junto à banca européia e arregimentando
trabalhadores no mundo todo, os trabalhos se reiniciaram, sendo
executados pela própria Madeira Mamoré Railway e gerenciados pela May,
Jerkill & Randolph. A selva impiedosa continuava a cobrar seu
tributo.

Os
trabalhadores não sobreviviam a semanas ou meses de trabalho apesar dos
esforços para combater as doenças tropicais. Pouco se sabia sobre estas
moléstias.Um hospital foi implantado junto aos escritórios da obra, e
vários médicos acompanhavam as frentes de trabalho, e até o eminente
sanitarista brasileiro Oswaldo Cruz lá esteve tentando equacionar o
problema. A malária, a febre amarela, o impaludismo, a beribéri, e a
disenteria, fizeram sua parte. A empresa “importava” cerca de 3000 a
4500 trabalhadores por ano, e que agüentavam no máximo um ano de
contrato. Muitos morreram antes, apesar de todos os esforços.

Na foto acima uma tragédia da época com uma enchente do rio madeira parte dos trihos foram levados
Finalmente, em maio de1910 foi
inaugurado o primeiro trecho e em 1912 a ferrovia foi completada,
justamente quando começa a chegar ao mercado a produção das seringueiras
da Malásia, causando a derrocada do período de ouro da região
amazônica.

A
ferrovia que tinha como finalidade escoar principal escoar a produção
dos seringais amazônicos ficou subitamente sem função. E seu
empreendedor e concessionário que detinha entre outros negócios, a
concessão para exploração de extensas áreas de terra às margens da
ferrovia, viu-se às voltas com as tensões que desembocaram na Primeira
Guerra Mundial e que lhe cortaram os acessos aos financiamentos
europeus, acarretando a quebra do conjunto de empreendimentos no
Brasil.

Como
a ferrovia foi contratada sem nenhum conhecimento do local, das
condições sanitárias, e sem um traçado definitivo, os valores iniciais
mostraram-se irreais e muito subestimados. Assim que ficou pronta a
estrada e desaparecida a miragem da borracha, a concessionária submeteu
os pleitos para recebimento dos ressarcimentos que achava a que tinha
direito, iniciando assim uma discussão que atingiu todos os escalões e
que perdurou por vários anos, tendo o governo atendido ao fim, apenas
parte dos valores.

FOTO ACIMA AUTORIDADES NUMA LITORINA DA ÉPOCA FAZEM VISTORIA NO TRECHO
A esta altura, com a crise da borracha
atingindo seu auge e com a Primeira Guerra Mundial devastando a Europa, o
seu grande empreendedor vai à falência, com os bancos internacionais
assumindo a Madeira Mamoré Railway, que opera precariamente até 1934,
quando o Governo Federal vê-se obrigado a assumir concessão após acordo
com os credores. A esta altura já não restava para a estrada, a menor
viabilidade econômica. Com a chegada das estradas de rodagem à região e a
opção do Pais pelas rodovias a Estrada de Ferro Madeira Mamoré, que
tantas vidas e recursos custou, é desativada em 1971, sendo a sucata de
seu desmanche transportada por via rodoviária até uma siderúrgica no
Estado de São Paulo.
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